Bella Freud, bisneta do pai da psicanálise Sigmund Freud, cresceu cercada por discussões sobre o inconsciente, desejos reprimidos e os mistérios da mente humana. Estilista reconhecida por unir referências culturais e simbólicas em suas criações — como as famosas camisetas com dizeres como “Psychoanalysis”, “1970” e “Love is the drug” — agora ela amplia esse legado intelectual com o lançamento do podcast Fashion Neurosis. A série propõe uma reflexão inédita: o que nossas roupas revelam (ou escondem) sobre quem somos?

“Por que você escolheu essa roupa hoje?” — a pergunta que abre caminhos para o inconsciente
No podcast, cada episódio começa com uma pergunta aparentemente simples, mas que carrega um potencial interpretativo imenso: “Por que você escolheu as roupas que está vestindo hoje?” A partir dela, Bella e seus convidados exploram memórias afetivas, eventos marcantes e mecanismos de defesa. Em um dos episódios, por exemplo, a atriz Cate Blanchett fala sobre como escolher um blazer específico pode ser uma forma de “construir uma armadura emocional para enfrentar o mundo”.
A escolha de vestuário, segundo Freud e muitos psicanalistas que o sucederam, pode funcionar como um sintoma: revela traços da identidade, desejos inconscientes e até conflitos internos. Para Bella, vestir-se é uma forma de elaboração simbólica, onde traumas, fantasias e desejos se manifestam por meio de tecidos, cortes e cores.
A moda como máscara — e também como espelho
No universo do podcast Fashion Neurosis, a roupa deixa de ser um objeto de consumo para se tornar um espelho do self. Modelos, estilistas e artistas convidados — entre eles Kate Moss, Rick Owens e a própria Freud — compartilham histórias sobre como a moda foi usada como forma de autoproteção, subversão ou resgate da autoestima. Há relatos de como certas peças remetem à infância, a figuras parentais, ou mesmo a períodos de dor e cura emocional.
Essa abordagem se alinha ao conceito freudiano de sublimação: transformar impulsos inconscientes, muitas vezes sexuais ou agressivos, em manifestações culturalmente aceitas — como a arte, a escrita ou, neste caso, a moda.
A psicanálise das tendências: desejo, repetição e identidade
O podcast também convida o ouvinte a pensar sobre o próprio sistema da moda como um fenômeno psicanalítico. Por que certas tendências retornam? O que há de compulsivo na busca incessante por novidade? Como o desejo é manipulado pelas imagens publicitárias? Termos como “transferência”, “projeção” e “identificação” passam a fazer parte do vocabulário fashion, ajudando a compreender a relação emocional que temos com aquilo que consumimos.
Em diálogo com esses conceitos, Bella sugere que muitas tendências retornam não por acaso, mas como uma repetição simbólica — um “retorno do recalcado” da cultura — e que as coleções podem ser lidas como narrativas psíquicas coletivas de uma época.
Moda, memória e desejo: o perfume da infância e a blusa da avó
Além das roupas, o podcast também toca em outros elementos sensoriais da moda, como o olfato. Perfumes usados por entes queridos, tecidos que lembram o sofá da casa dos avós, ou o som de um salto ecoando no corredor da escola são algumas das referências trazidas por convidados. Esses gatilhos sensoriais ativam memórias que muitas vezes estavam inacessíveis à consciência — um processo amplamente estudado pela psicanálise.
Assim, o Fashion Neurosis contribui para um movimento crescente dentro da indústria: valorizar a subjetividade por trás das escolhas de estilo, transformando o consumo em narrativa pessoal.
O divã virou passarela — e vice-versa
Com uma estética que remete a um consultório terapêutico — veludo escuro, abajures suaves, tapetes orientais — o cenário do podcast também reforça a proposta de introspecção. Bella Freud transforma o ritual de se vestir em algo tão íntimo quanto uma sessão de análise.
Mais do que um podcast sobre moda, Fashion Neurosis é uma proposta cultural que une duas linguagens aparentemente opostas: o silêncio do divã e o brilho da passarela. Mas, como a própria Bella sugere, ambas falam sobre aquilo que somos quando ninguém está olhando — ou, talvez, justamente sobre o que esperamos que os outros vejam.