O aguardado desfile de formatura da graduação em moda da Central Saint Martins, realizado em Londres durante a temporada de outono 2025, reafirmou o papel da instituição como principal celeiro da criatividade na moda global. Em um momento em que o mercado privilegia o comercial e o previsível, os alunos finalistas apresentaram propostas autorais, ousadas e provocativas — muitas vezes experimentais e conceituais — que reafirmam a potência do pensamento livre como ferramenta de transformação cultural.
Sob a curadoria de Fabio Piras, diretor do curso BA Fashion, o desfile revelou narrativas que transitam entre crítica social, romantismo, tecnologias emergentes e memória afetiva. Longe de atender a tendências prontas, os jovens estilistas deram voz a suas visões de mundo, desafiando as convenções estéticas e propondo novos caminhos para a moda contemporânea.
Myah Hasbany e a moda como ficção científica emocional
Vencedora do prestigiado prêmio L’Oréal Young Talent, a designer Myah Hasbany apresentou uma coleção inspirada em um suposto acidente com um objeto voador não identificado no Texas. Suas silhuetas volumosas e peças infláveis evocam atmosferas de mistério e vulnerabilidade, equilibrando ludicidade e um senso de estranhamento quase cinematográfico. A abordagem performática — que combina storytelling com excelência técnica — foi uma das mais marcantes da noite.
Linus Stueben: afetos de lã e criaturas fantásticas
Acompanhado por um cão robótico em cena, Linus Stueben explorou o universo do imaginário infantil e das emoções profundas. Suas criações, adornadas com formas esculturais feitas de lã e materiais têxteis reconectados ao toque, propõem uma moda como escudo emocional. O desfile trouxe momentos de ternura e fantasia, sem perder o rigor construtivo que o curso exige.
Kate Dewar e Alison Keogh: o ordinário reimaginado
Inspiradas por algoritmos e inteligência artificial, as designers Kate Dewar e Alison Keogh apresentaram uma visão futurista da moda masculina contemporânea. Polos em látex fosco, calças de acabamento metálico e blazers de brilho irregular compunham um repertório que revisita o guarda-roupa clássico sob uma lente tecnológica e instável. A coleção foi um dos destaques pela sofisticação conceitual e domínio de materiais.
William Palmer: ironia britânica e cultura “lad”
Com humor afiado, William Palmer brincou com a iconografia da masculinidade britânica e seus rituais cotidianos. Bolsas em forma de baguetes mordidas, peças com estampas de toalhas de chá e chapéus de bule compuseram uma coleção espirituosa e crítica, que satiriza os códigos da virilidade tradicional com leveza e inteligência visual.
Moda como resposta ao presente
Ao final do desfile, ficou evidente que as coleções apresentadas não se destinavam apenas à passarela, mas ao debate. Os trabalhos eram manifestações de inquietação diante de um mundo instável, onde a moda ainda pode ser refúgio, protesto ou utopia. Como destacou Fabio Piras, a proposta do curso permanece firme: formar criadores capazes de pensar o novo, e não apenas atender a um mercado em retração criativa.
O futuro da moda nasce do risco
O desfile de formatura da Central Saint Martins reafirma a importância do risco e da expressão pessoal como fundamentos da inovação em moda. Os jovens talentos de 2025 mostram que, mais do que vender roupas, é possível propor mundos. Em tempos de homogeneidade estética, a Central Saint Martins oferece o que há de mais valioso: a pluralidade radical de pensamentos e formas — a própria essência da criação artística em moda.