Nos últimos anos, a moda tem provado que não é feita apenas de tecidos e silhuetas. A revolução digital abriu caminho para novas formas de expressão criativa e os NFTs (non-fungible tokens) tornaram-se, rapidamente, o novo território da experimentação fashion. Mas à medida que casas de luxo e grandes marcas mergulham nesse universo, o encantamento da inovação também traz à tona questionamentos importantes sobre autoria, autenticidade e propriedade intelectual. E nesse cenário, a Nike se tornou protagonista de uma narrativa que diz muito sobre o presente (e o futuro) dessa transformação.
Uma História de Brilho e Controvérsia: Os NFTs na Moda
Desde que a moda descobriu os NFTs, o setor assistiu a um desfile de possibilidades digitais: coleções exclusivas lançadas em blockchain, desfiles virtuais no metaverso, avatares vestindo peças digitais de grifes como Gucci, Balenciaga e Dolce & Gabbana. Foi um momento de encantamento um desfile sem passarela, onde o luxo ganhava novas formas, menos físicas, mas não menos desejáveis.
Contudo, o brilho futurista logo se deparou com polêmicas. A ausência de regulamentação clara sobre propriedade intelectual fez com que artistas, colecionadores e marcas entrassem em rota de colisão. Casos como o da Hermès, que enfrentou legalmente o artista Mason Rothschild por sua série “MetaBirkins”, ou da Dolce & Gabbana, acusada de promessas não cumpridas em coleções digitais, mostraram que o metaverso ainda exige maturidade jurídica. Em meio a tudo isso, a Nike com seu estilo esportivo e ousado resolveu protagonizar uma das histórias mais emblemáticas dessa transição.
Nike & RTFKT: Quando a Inovação Encontra o Impasse
Em 2021, a Nike comprou a RTFKT Studios, startup especialista em moda digital, NFTs e experiências virtuais. O mundo da moda digital viu a parceria como um marco: de um lado, uma gigante com peso global; do outro, uma marca jovem e disruptiva. Peças como o AR Genesis Hoodie, um moletom híbrido com chip conectado ao NFT, simbolizaram o encontro do vestuário físico com o digital uma provocação fashionista em plena era dos avatares.

Porém, em dezembro de 2024, a Nike anunciou o encerramento das operações da RTFKT. A decisão resultou em um processo coletivo movido por compradores de NFTs, que alegaram terem sido induzidos a investir em ativos digitais não registrados como valores mobiliários. Mais de US$ 5 milhões estão em jogo, e a marca se vê no centro de um debate crucial: até onde vai a responsabilidade das grifes no ambiente digital?
Quando o NFT Usa a Sua Marca
A Nike também se envolveu em outro caso icônico ao processar a plataforma de revenda StockX, que lançou NFTs de tênis Nike sem qualquer autorização. O argumento? A associação indevida poderia confundir os consumidores e enfraquecer o valor da marca. Um lembrete fashion-jurídico de que, no mundo dos tokens, a autoria ainda é e precisa ser respeitada.
A Experiência Digital Tem Seus Encantos — Mas Também Suas Regras
À primeira vista, os NFTs pareceram uma extensão natural do luxo e da moda: escassos, colecionáveis, únicos. Mas o mercado aprendeu rápido que digitalizar experiências exige mais do que criatividade. É preciso ética, responsabilidade e principalmente leis que acompanhem essa nova realidade.
Durante o 1º Bio Extratus Fashion Meeting, o advogado e especialista em moda Marcelo Brandão conduziu um talk essencial sobre propriedade intelectual na era digital, trazendo luz às complexas transformações que envolvem o uso de criações no universo online. Com sua experiência no cruzamento entre direito e indústria criativa, Brandão destacou os desafios legais que surgem com o avanço das tecnologias como NFTs, inteligência artificial e metaverso especialmente no campo da moda, onde a estética e a inovação caminham lado a lado. Sua fala reforçou a urgência de um olhar mais atento à proteção autoral de estilistas, designers e artistas, alertando que, em um ambiente onde tudo pode ser replicado em um clique, o valor da ideia original precisa ser ainda mais preservado.
Os NFTs não perderam seu potencial. Eles seguem como uma das possibilidades mais instigantes para ampliar a presença das marcas de moda e redefinir como se consome e se experimenta o estilo. Mas a trajetória da Nike e os embates judiciais do setor mostram que não basta ser inovador é preciso ser transparente, legalmente sólido e consciente do impacto das promessas feitas em blockchain.